As Licenças de Operação Ambiental (LOA´s) concedidas pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PDT), para as cooperativas explorarem ouro no rio Madeira, na última terça-feira (12), foi recebida com repúdio por organizações socioambientais que atuam na Amazônia. Em nota divulgada nesta quinta-feira (14), 17 organizações dizem que a decisão “é um erro que deve ser corrigido”.

As organizações afirmam que a medida foi tomada “de forma precipitada, imprudente e unilateral pelo governo do Amazonas” e pedem que seja realizado um debate “amplo e qualificado” sobre o assunto.

“Acreditamos que conceder ou renovar Licenças de Operação Ambiental de forma precipitada e sem debate para atividades garimpeiras naquela região, considerando seu histórico de impactos socioambientais, é um grande equívoco. Este ato fragiliza ainda mais aspectos como a integridade das florestas do Sul do Amazonas”, diz trecho da nota.

Para as organizações, “a legalização das atividades de extração mineral e em especial, de ouro no Estado, deve levar em consideração o princípio da precaução, ainda mais quando se trata do uso indiscriminado do Mercúrio, com o uso de equipamentos precários e não regulamentados, como dragas e tratores, que afetam de forma bastante negativa os leitos dos rios e sua dinâmica hidrológica”.

Na nota, as organizações também alertam para a deficiência na estrutura do órgão ambiental do Amazonas, questionando o que diz o governo do Amazonas, de que possui “capacidade de fiscalizar e monitorar as concessões de licenciamento”.

“Sabemos das deficiências e limitações que o sistema de controle ambiental enfrenta, atuando com baixo orçamento e escassez de recursos humanos”, diz. Leia aqui a íntegra da nota  com os nomes das 17 institutições.

O governador Amazonino  autorizou a liberação da exploração de ouro no rio Madeira sem esperar um estudo do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) sobre a destinação dos resíduos de mercúrio usado no garimpo. O governo concedeu novas e renovou Licenças de Operação Ambiental (LOA´S) à Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) e para a Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Manicoré (Cooemfam). O Cemaam é uma entidade consultiva formada por representantes de órgãos públicos e organizações não-governamentais.

Conselheiros ouvidos pela reportagem, desde que seus nomes não sejam publicados, dizem que o licenciamento do garimpo no rio Madeira foi atropelado. Antes de sair as autorizações, a secretária do Cemaam, Glauce Maria Tavares Monteiro, enviou, pelo e-mail do presidente do conselho Marcelo Dutra,  uma cópia da Ata da 42a. Reunião do Cemaam, realizada em 17 de novembro para os conselheiros. Na ata consta que 15 conselheiros votaram pela renovação da licença das cooperativas no rio Madeira com a realização de um Termo de Ajustamento de Conduta (Taca).

No entanto, conselheiros disseram à reportagem que na 42ª Reunião Ordinária constou que a votação referiu-se apenas à elaboração do estudo de um Grupo de Trabalho (GT) para alterar o artigo 11 da Resolução do Cemaam. O artigo trata dos resíduos de mercúrio no meio ambiente, metal utilizado na atividade de exploração de ouro que tem alto impacto nas águas, fauna, flora e à saúde humana.

“Discussão sobre garimpo envolve toda a sociedade”

O diretor da WCS Brasil (sigla de Associação Conservação da Vida Silvestre), uma das organizações que assinam a nota, Carlos Durigan, disse à Amazônia Real que o ideal é “que o governo revogue o processo de licenciamento e realize uma discussão ampla e um debate técnico qualificado e participativo”.

“Não é uma questão que só diz respeito ao governo, às cooperativas, aos garimpeiros, ou aos extrativistas minerais, como chamam. Não é uma discussão bilateral. É uma discussão [sobre garimpo] que envolve toda a sociedade. Não apenas especialistas, mas também as populações afetadas pelo garimpo. Porque a gente tem que partir do pressuposto que é preciso levar o principio da precaução num caso como esse. A atividade é muito impactante e causa danos gerais”, diz.

Para ele, o governo do Amazonas precisa assumir que tomou uma decisão equivocada.

“Tem que assumir que é um licenciamento feito às pressas, apenas entre os beneficiários e o governo. Que as decisões tomadas sejam de forma inclusiva e não atendendo a interesses específicos”, disse Durigan.

O diretor da WCS alerta para o fato do rio Madeira já sofrer impactos de outros empreendimentos, como as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, e o desmatamento. Ele diz que o garimpo é apenas um ponto a mais “para deixar o cenário pior” no rio Madeira.

“As hidrelétricas afetam a hidrologia do rio, causando uma mudança na dinâmica de fluxo de sedimentos e de conectividade dos ambientes aquáticos. Obviamente as populações que vivem ao longo do rio sentem os impactos desse problema. Há relatos de diminuição de pescado. O garimpo, da forma como é feito, utiliza dragas, revolve sedimentos tanto do fundo do rio quanto das margens. E agrega o elemento externo super prejudicial que é o mercúrio”, disse.

Ele destaca que a contaminação tende a afetar as comunidades ribeirinhas e indígenas e impactando no recurso pesqueiro, uma das principais fontes de alimentação das populações amazônicas. “O pescado é o principal acumulador do mercúrio, que se acumula na cadeia alimentar e contamina os organismos que estão nela, inclusive o ser humano”, explica.

Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação do governo do Amazonas, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que concedeu a licença às cooperativas, para saber se os órgãos se manifestariam a respeito da nota de repúdio. Até o momento, não houve resposta.

A reunião ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam), que estava marcada para acontecer nesta sexta-feira (15), na reitoria da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), foi cancelada por falta de quórum. A decisão foi tomada pelo secretário estadual de meio ambiente e presidente do Ipaam, Marcelo Dutra. Ele também é responsável por presidir as reuniões do Cemaam. A Amazônia Real perguntou da assessoria de imprensa do Ipaam e Sema qual a nova data da reunião, mas não obteve resposta. A reportagem também quis saber se a aplicação do artigo 11 da Resolução 14 nas licenças liberadas será mantida enquanto se discute a nova redação, mas o Ipaam não respondeu.

Conselheiros ouvidos pela reportagem disseram que está prevista uma reunião apenas em fevereiro, mas ainda sem dia confirmado.

Licença foi concedida sem estudo

A discussão sobre o mercúrio no Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) foi provocada pela Coogam, que pediu a alteração do artigo 11 da Resolução No. 14 do Conselho. A Cooperativa alega que o artigo não deixa claro como fazer o armazenamento nem sobre a destinação do mercúrio. No entanto, o governo decidiu liberar as licenças antes de uma decisão a respeito do assunto.

A Coogam foi fundada pelo garimpeiro Geomario Leitão de Sena, que é réu em processo da Justiça Federal por formação de quadrilha, usurpação de bens da União, lavagem de dinheiro e extração ilegal de ouro em terra indígena no Mato Grosso.

Um Grupo de Trabalho (GT) do Cemaam apresentou uma proposta de alteração do artigo, sugerindo a realização de exames e laudos químicos de amostras coletadas de áreas afetadas pelo mercúrio. O procedimento seria pago pelas cooperativas. A partir do resultado do exame, se faria uma nova redação para o artigo. Segundo conselheiros ouvidos pela reportagem, a decisão de liberar as licenças antes atropelou as discussões no Cemaam.

“Entregar onde, para quem, quem vai cuidar? Esse foi o questionamento deles [garimpeiros]. A nossa proposta de mudança é aqui. Teoricamente o Taca e a renovação da licença é do Ipaam. A nossa propositura é para que mude [o artigo], para que aí sim a gente deve cobrar. Se esse material tem algum tipo de contaminante, vamos botar onde e quem vai cuidar? É o que não está decidido aqui. Nossa proposta é dar uma redação nova para buscar o aumento do controle. Aí o secretário pode fazer o termo de ajustamento e a renovação da licença”, disse Adilson Cordeiro, secretário-executivo da Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente), aos conselheiros, durante a reunião do dia 17 de novembro (veja vídeo da reunião). Cordeiro presidiu a reunião do dia 17 de novembro.

Em nota oficial divulgada na última terça-feira, o governo do Amazonas informou que o Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental (Taca) firmado com as cooperativas de garimpo “foi elaborado amparado em pareceres técnicos do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cemaam)”.

No entanto, as organizações socioambientais contestam essa versão na nota divulgada nesta quinta-feira. “Membros do Cemaam afirmam que, não houve, em nenhuma reunião recente do Conselho, discussão qualificada sobre o assunto, em plenária, que ampare esta decisão. Além disso, a discussão de pautas tão complexas como esta devem ter ampla discussão incluindo-se representações das populações tradicionais diretamente envolvidas e afetadas, além de pesquisadores e técnicos especialistas no assunto.”