Lumen Lohn, Primeira Oficial Travesti de Santa Catarina destaca: ‘A partir do momento que me reconheci como travesti, foi quando consegui atravessar o espelho e ver quem eu realmente sou’.

A Militar que conta com vinte e cinco anos de carreira segue enfrentando uma batalha na corporação a que tanto serviu. Tudo porque após passar pelo processo de transição de gênero, ela começou a ter suas capacidades morais e profissionais postas à prova.

A oficial, que tem 25 anos de carreira, está atravessando uma batalha na corporação após começar seu processo de transição de gênero, em setembro de 2022. Desde então, Lumen tem enfrentado preconceitos e desconfianças sobre sua capacidade “moral e profissional” de exercer suas funções por parte de alguns agentes e do governador de Santa Catarina, Julinho Mello (PL).

Segundo a Major, a relação com as Forças Armadas é é fruto de uma herança familiar. Filha de um Coronel da Reserva da Polícia Militar, hoje com setenta anos, A Major Lumen conta que cresceu literalmente ao lado do quartel, uma vivência que dividiu espaço com sua sensação de inadequação, que começou a ser sentida por volta dos onze anos.

‘Eu nunca tinha me visto como eu realmente sou. Quando me olhava no espelho, sempre me via de forma distorcida, com uma sensação até então incompreendida de inadequação. E sempre foi assim, até o momento em que me entendi enquanto travesti e passei a, de fato, me enxergar’, diz Lumen.

RECEPTIVIDADE DOS COLEGAS DE FARDA E FAMILIARES – Apesar do imaginário negativo que se cria ao associar o militarismo com o processo de transição de Lumen, a oficial conta que não houve conflitos com a Polícia Militar em um primeiro momento.

Tudo começou após uma apresentação em janeiro deste ano, na qual a major discutiu sobre a existência de pessoas trans e travestis e oficializou sua apresentação enquanto Lumen aos seus companheiros de trabalho.

‘Mesmo tendo iniciado a transição em setembro, fiz uma apresentação de Power Point bem didática depois que já tinha informado meus familiares e dado início a terapia hormonal. Foi tudo planejado. As reações foram ótimas, algo que me comove até hoje’, conta.

CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO – Embora a reação dos policiais mais próximos tenha sido positiva, foi em abril deste ano que Lumen descobriu que, após pedido de superiores da PM, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), determinou a abertura de um Conselho de Justificação (colegiado que julga oficiais) para avaliar sua “capacidade moral e profissional”.

O pedido, realizado pela PM em dezembro de 2022, quando Lumen já havia dado início a transição, pode resultar em expulsão ou aposentadoria compulsória.

CORPORAÇÃO ALEGA CONDUTA INADEQUADA ANTES DA TRANSIÇÃO DE GÊNERO – Em nota enviada pela Polícia Militar de Santa Catarina, a corporação destaca que o processo se originou na administração anterior em virtude de relatos de condutas profissionais consideradas inadequadas e que estão sendo apuradas no decorrer do processo, que tramita em sigilo até o momento.

De acordo com a corporação, existem 17 infrações que teriam sido cometidas pela major entre 1999 e 2020. A Polícia Militar também afirma que, quando o processo foi instaurado, a transição de Lumen não fazia parte do conhecimento da corporação.

De acordo com a major, mesmo que sua apresentação enquanto Lumen tenha sido formalizada em janeiro, seu processo de transição já havia sido iniciado meses antes do processo administrativo.

A oficial e sua defesa também afirmam não haver crime militar na lista mencionada pela Corporação e que o Conselho de Justificação, onde corre o processo, desconsidera infrações prescritas após seis anos.

‘O que me deixa mais chocada nisso tudo é que não tem mais ninguém se posicionando contra essa situação. As pessoas não estão vendo que isso não é só sobre mim, sobre Lumen e a transição, mas sobre uma ilegalidade flagrante e um precedente perigoso’,  finaliza a Major.