Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Alberto Fernández, da Argentina, divulgaram uma carta conjunta exaltando a relação diplomática e comercial entre os dois países. Em texto publicado pelo site argentino Perfil, Lula e Fernández citaram que a criação de uma nova moeda poderia baratear custos operacionais e reduzir a dependência do dólar.

“Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais”, afirma um trecho.

A ideia havia sido rechaçada pelo ministro da Economia Fernando Haddad. Em 5 de janeiro, quando questionado sobre a possibilidade, ele disse que a proposta “não existe”. Ainda falou para jornalistas irem “se informar”.

O anúncio deverá ser feito durante visita do presidente Lula à Argentina. O petista já está em Buenos Aires. Haddad, também integra a comitiva.

Eis a tradução da carta de Lula e Fernández ao site Perfil:

Duas nações irmãs se encontram novamente. Amanhã nos encontraremos em Buenos Aires para o 1º encontro presidencial entre Brasil e Argentina em mais de 3 anos. Em seguida, será realizada a 7ª Cúpula da Celac, fórum que reúne os 33 países da região da América Latina e Caribe e que, desde o ano passado, está sob a presidência da Argentina. O evento marcará o retorno do Brasil a esse mecanismo de diálogo e consulta regional. Uma relação que nunca deveria ter sido interrompida e que a história da irmandade latino-americana consegue retomar.

Ambos os encontros marcam um novo começo, justamente no ano em que celebraremos o bicentenário de nossas relações diplomáticas. Em Buenos Aires vamos relançar a aliança estratégica bilateral com a reativação de vários espaços de cooperação e diálogo. São múltiplas as áreas em que voltaremos a trabalhar juntos em temas importantes para a qualidade de vida de nossas populações, como combate à fome e à pobreza, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas e redução de todas as formas de desigualdade. De uma vez por todas, a história será escrita por nossos povos.

Vamos fortalecer o papel da sociedade civil, dos governos estaduais e municipais e dos parlamentos como atores dessa aproximação. Sabemos que o sonho de estarmos unidos é agora uma realidade possível.

 

Os laços entre Argentina e Brasil são baseados na consolidação da paz e da democracia. Queremos a democracia para sempre. Ditadura nunca mais.

A reindustrialização de nossas economias merecerá atenção especial, com geração de empregos de qualidade e investimento em inovação. O comércio entre Argentina e Brasil já tem alta participação de produtos industrializados em setores estratégicos. A integração entre nossas cadeias produtivas ajuda a mitigar choques externos, como os ocorridos durante a pandemia. Não podemos depender de fornecedores externos para podermos ter acesso a insumos e bens essenciais ao bem-estar das nossas populações.

Temos um setor privado dinâmico e empreendedor, cuja contribuição para o processo de integração bilateral é cada vez mais necessária. Compartilhamos a firme intenção de estreitar os já sólidos laços comerciais e de investimentos entre nossos países e promoveremos um seminário empresarial no âmbito da visita presidencial.

Nossos países continuarão a desempenhar um papel crítico para a segurança alimentar em um mundo afetado por riscos geopolíticos e graves interrupções nas cadeias de abastecimento. Temos o compromisso de dotar a nossa agricultura e pecuária de elevados padrões de sustentabilidade e de manter elevados níveis de produtividade.

Queremos promover projetos na área das infraestruturas. Um tema central deste novo momento é a integração energética. A interligação eléctrica entre os nossos países já é uma realidade e a integração do gás tem potencial para se tornar um dos projetos estratégicos da relação bilateral, com benefícios duradouros ao nível da atração de investimento, criação de emprego e ao nível da nossa segurança.

Consolidaremos nossa posição como possuidores de tecnologia nuclear para fins pacíficos, fortalecendo a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e dando continuidade a projetos ambiciosos como o reator multiuso. Com a reativação do Grupo de Trabalho Conjunto de Cooperação Espacial, vamos colocar satélites em órbita para realizar estudos costeiros e oceanográficos.

A relação fluida e dinâmica entre Brasil e Argentina é essencial para o avanço da integração regional. Junto com nossos parceiros, queremos que o Mercosul constitua uma plataforma para nossa efetiva integração com o mundo, por meio da negociação conjunta de acordos comerciais equilibrados que respondam aos nossos objetivos estratégicos de desenvolvimento.

Pretendemos quebrar as barreiras em nossas trocas, simplificar e modernizar as regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum que possa ser usada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa.

Trabalharemos juntos para resgatar e atualizar a Unasul, com base em seu inegável legado de conquistas. Argentina e Brasil estão firmemente comprometidos em construir uma América do Sul forte, democrática, estável e pacífica.

Precisamos enfrentar um mundo cada vez mais complexo e desafiador e temos ampla convergência na agenda multilateral. Falta uma vontade política efetiva para enfrentar os dilemas atuais e as grandes crises: mudanças climáticas, pandemias, guerras, fome e imigração. A ONU e o G20 devem ajudar a preencher essa lacuna de liderança para provocar mudanças. Ambos os fóruns podem promover agendas inclusivas, sinalizando claramente a atuação de organizações como a OMC, o FMI e o Banco Mundial. Trabalharemos em colaboração pela paz e pelo desenvolvimento.

O mundo mais justo e solidário a que aspiramos só será viável se tivermos coragem de construir juntos o nosso futuro. Esse é o significado estratégico da integração bilateral.

Não há nada mais emancipador do que a irmandade dos povos que vêm desde o alvorecer da nossa história para tomar posse do seu futuro.