Manaus – Em dezembro de 2020, Manaus registrou 552 internações por covid-19. Em janeiro de 2021, o número saltou para 3.431 na capital do Amazonas, que vem atravessando uma segunda onda de casos e um segundo colapso do sistema médico, marcado por uma crise contínua de falta de oxigênio para pacientes internados por complicações da covid-19.

Em artigo publicado na revista científica The Lancet, em 27 de janeiro, pesquisadores indicam quatro hipóteses para explicar o novo surto em Manaus – o potencial de transmissão maior da variante do vírus Sars-CoV-2 é uma delas.

“Novas linhagens podem levar ao ressurgimento de casos se tiverem maior transmissibilidade em comparação com linhagens pré-existentes e se estiverem associadas à fuga antigênica [quando o sistema imunológico não consegue responder ao vírus]. Logo, as características genéticas, imunológicas, clínicas e epidemiológicas dessas variantes precisam ser investigadas rapidamente”, diz o texto, assinado por 23 pesquisadores que integram o Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus.

“Se o ressurgimento em Manaus estiver associado ao declínio da imunidade protetora [adquirida na primeira onda], cenários semelhantes de ressurgimento devem ser esperados em outros lugares”, acrescentam os autores da análise.

“Manaus é um exemplo do que ainda pode acontecer em outras capitais. Estamos muito longe de uma situação em que o número de infectados seja suficiente para conter o avanço da pandemia”, pontuou ao Jornal da USP a pesquisadora Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e primeira autora do texto publicado na Lancet.

Segundo os autores, as quatro hipóteses não são excludentes, isto é, uma não invalida a outra. São elas:

Primeira onda superestimada

O número de pessoas infectadas teria sido superestimado durante a primeira onda de covid-19 em Manaus, em abril.

Segundo um estudo liderado por pesquisadores da USP e publicado na revista Science em dezembro, estimou-se que 76% dos habitantes teriam sido infectados pelo vírus na capital amazonense até outubro – Manaus possui 2,2 milhões de habitantes, 76% de incidência corresponderia a mais de 1,6 milhão de infectados desde o início da pandemia.

Entretanto, de acordo com dados oficiais da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, entre março e dezembro de 2020, a cidade registrou cerca de 73 mil casos.

Em janeiro de 2021, 33 mil novos casos foram confirmados, um salto considerável que pode indicar que a primeira onda foi superestimada e a imunidade de rebanho não foi atingida. “Nesse contexto, o ressurgimento poderia ser explicado pela maior mistura de indivíduos infectados e outros suscetíveis durante o mês de dezembro”, diz o texto publicado na Lancet.

Queda da imunidade

A segunda hipótese é que a imunidade diminuiu em dezembro. Indivíduos infectados produzem anticorpos e células de defesa que carregam um tipo de “memória” contra o novo coronavírus, que protege o corpo contra novas infecções. Embora registrados, casos de reinfecção por covid-19 são considerados raros para quem já possui anticorpos.

Entretanto, cientistas ainda não sabem dizer por quanto tempo dura a imunidade natural. “Pesquisas apontam que a infecção é rara em pessoas que apresentam anticorpos, mas esses estudos apenas seguiram as pessoas por 6 meses”, destacou Ester Sabino ao Jornal da USP. “Ou seja, os novos casos em Manaus ocorreram de 7 a 8 meses depois do pico”.

Variante do vírus

O surgimento de uma nova linhagem do coronavírus, identificada em dezembro no Amazonas, é a terceira hipótese levantada por pesquisadores para explicar o surto atual. Segundo Sabino, a nova linhagem teria mais facilidade para driblar o sistema imune do corpo humano.

Mutações são comuns e fazem parte da evolução natural de epidemias virais. Os vírus invadem células para se multiplicarem e, durante o processo, podem ocorrer alterações. Quando há muitas mutações, surgem variantes ou cepas (grupo de microorganismos da mesma espécie, mas com marcas genéticas distintas).

Em 10 de janeiro, autoridades japonesas notificaram a identificação da nova variante em viajantes que passaram pelo Amazonas e voltaram ao Japão. Pesquisadores da Fiocruz Amazônia, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, analisaram os dados e concluíram que a mutação tinha tido origem no estado. Até agora, foram identificadas 18 linhagens do Sars-CoV-2 no Amazonas.

Em 29 de janeiro, a Fiocruz Amazônia e a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas publicaram uma nota técnica indicando que a nova variante de Sars-CoV-2, a P.1, foi identificada em 91%, dos genomas sequenciados, o que a torna a mais prevalente no estado.

Potencial de transmissão maior

A quarta e última hipótese é que a nova linhagem teria uma taxa de transmissão maior do que a anterior.

Mutações de vírus são comuns e até esperadas, mas a identificada no Amazonas alterou a proteína de espinhos que reveste o novo coronavírus, dando a ele maior poder de interação com os receptores das células humanas que são invadidas. Alterações semelhantes foram observadas nas variantes do Reino Unido e da África do Sul, também com maior potencial de contágio.

Além da capital Manaus, a nova variante já está presente em 11 municípios do interior do estado, o que também preocupa pesquisadores e autoridades de saúde. Atualmente, o potencial de transmissão está sendo analisado em estudos clínicos, assim como o de letalidade.

Os autores do artigo publicado na Lancet recomendam maior vigilância sorológica e genômica dos casos de covid-19, com atenção especial para ocorrências de reinfecção. Também sugerem investigar detalhadamente a eficácia das vacinas contra o vírus e suas variantes.

“Os protocolos e as descobertas desses estudos devem ser coordenados e rapidamente compartilhados a todos os lugares onde tais variantes emergirem e se espalharem”, diz o texto.

Via: Nexo