Brasil – Na última quinta-feira (7), centenas de apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – incluindo supremacistas brancos e todo tipo de militante de extrema-direita – invadiram o Capitólio, sede do Congresso no país, em um motim que culminou com a morte de quatro pessoas, ameaças a políticos e à imprensa e vandalismo. A manifestação, contudo, não foi ao acaso. Uma hora mais cedo, o próprio Trump havia feito um comício em frente à Casa Branca, contestando a vitória do presidente eleito Joe Biden nas eleições presidenciais de 2020 e incitando seus apoiadores a se manifestarem contra o resultado oficial.

A postura de Trump e os eventos que se sucederam no dia da certificação da vitória de Biden foram repudiados por líderes de diversos países, como a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que se elegeu com um projeto nacionalista e chegou, em diversos momentos, a ser comparado com o próprio Trump. Um único líder mundial, contudo, se manteve fiel ao lado do presidente dos EUA e fez declarações públicas apoiando-o, mesmo com a invasão ao Capitólio: Jair Bolsonaro. Ao ser questionado sobre a situação de Washington, o presidente do Brasil respondeu: “Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual é minha resposta aqui”. Em seguida, voltou a defender a tese de que as eleições foram fraudadas.

Nesta quinta-feira, Bolsonaro foi além, e disse que “nós vamos ter problema pior do que os Estados Unidos” se não tivermos o voto impresso em 2022. Em seguida, afirmou que o próprio pleito que o elegeu, em 2018, foi fraudado, e que ele deveria ter ganho no primeiro turno. Em março do ano passado, durante visita aos Estados Unidos, ele disse que apresentaria as provas da suposta fraude eleitoral, mas nunca as apresentou.

“Ele já está preparando a possibilidade de tentar algum tipo de golpe caso perca nas urnas”, afirma o cientista político e professor da UERJ, João Feres Junior. “É de responsabilidades instituições brasileiras – sobretudo os militares – resistir a esse tipo de atentado contra a democracia”.

“Bolsonaro repete discursos, estratégias, adota posturas muito parecidas com as de Trump”, diz o professor Michael Mohallem, coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “As grandes bandeiras de campanha, como a suposta liberdade dos indivíduos de se armar, a agressão à China… Muitas de suas estratégias políticas são cópias perfeitas das estratégias políticas adotadas por Trump. Isso é explícito, não é novidade para ninguém”. “Além disso, ele defende o armamento da população, para, segundo ele, se opor a um governo autoritário. Se isso acontecer e pessoas estiverem armadas, o risco é muito maior”, alerta o professor. “De agora até o fim das eleições de 2022, essa sombra vai nos acompanhar”.

Para o cientista político Geraldo Tadeu, da UERJ, a invasão ao Capitólio dos EUA deve dar forças para movimentos extremistas não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. “Nós vimos a extrema-direita desafiar uma das democracias mais sólidas do mundo, o que significa que o resto da extrema-direita, mundo a fora, vai se sentir em condições de desafiar outras democracias – não tão sólidas quanto ela”. “Desde 2018, Bolsonaro coloca em dúvida a confiabilidade da urna eletrônica e disse que não aceitaria nenhum resultado que não fosse a sua vitória: exatamente o mesmo discurso de Trump”. “Não se sabe a força que o bolsonarismo tem hoje, depois da dissidência dos lavajatistas e dois anos de governo, em plena pandemia, mas acredito numa reativação desse movimento”, avalia o professor.

O filósofo e pesquisador Moysés Pinto Neto também acredita que a possibilidade do cenário de caos se repetir no Brasil é grande, e explica o papel dos líderes ao influenciar essa grande massa de extremistas: “O papel dele (Trump) não é ser o autor desses movimentos. Cada movimento segue uma lógica própria e emaranhada em uma série de dispositivos tecnológicos e formas sociais, desde o fundamentalismo religioso até teorias da conspiração. Trump funciona como uma espécie de elo que liga todos eles”.

“Uma grande fatia da população não tem mais contato com a realidade sem a mediação de correntes de WhatsApp, grupos de Facebook e todas essas estratégias meméticas, que funcionam mediando o contato com o real e com isso fazem com que a percepção das pessoas sobre esse real esteja totalmente vinculada a essa memética. Por isso, essas pessoas não conseguem lidar com o trauma de que a realidade nem sempre é aquilo que a gente quer que ela seja – e, diante disso, reagem muito violentamente”, explica.

“Bolsonaro mostrou, na pandemia, que o choque com a realidade – nesse caso, a realidade do vírus – não desfaz as convicções das pessoas. Não por acaso, os bolsonaristas hoje são chamados de negacionistas: porque eles de fato estão em um processo de negação da realidade, de tal maneira que Bolsonaro não teria dificuldade de interpretar o papel de negar um resultado eleitoral”, conclui.

Violência policial e o papel das Forças Armadas

Durante a invasão ao Capitólio, chamou a atenção a forma como os manifestantes conseguiram furar o bloqueio policial e tomar conta da situação sem maiores dificuldades. Nas redes sociais, muitos afirmaram que o tratamento teria sido diferente se fosse uma manifestação de esquerda – ou se os manifestantes fossem negros. “É verdade que a polícia americana é racistas, mas o que houve lá foi uma coisa um pouco mais complexa”, afirma João Feres. “Primeiro porque o Capitólio só contava com a segurança local. Era o caso de chamar a Guarda Nacional, mas parece que o departamento de Justiça – que está nas mãos do Trump, inclusive – demorou a fazer isso”.
Michael Mohallem faz uma avaliação parecida: “Ainda é precipitado dizer que houve conivência da polícia, mas me parece uma questão para ser analisada com mais cuidado nos próximos dias, com imagens e avaliações sobre tomadas de decisões durante a invasão. Mas é uma hipótese que deve ser considerada”.

No caso de algo parecido ocorrer no Brasil, o consenso dos especialistas é de que a postura das forças policiais e do Exército é o fator mais definidor. “Me parece correto afirmar que, de forma geral, as forças policiais brasileiras tem muita proximidade com alguns dos ideais do bolsonarismo. Dito isso, a gente imagina que, se houver uma ruptura, é claro que essas instituições vão ser chamadas à prova”, diz Mohallem.

“Bolsonaro foi a mais formaturas de novos policiais do que se encontrou com prefeitos, por exemplo”, lembra Geraldo Tadeu. “No Brasil, o que vai fazer a diferença numa possível tentativa de golpe vai ser o papel das Forças Armadas, e sobretudo da alta hierarquia – porque a baixa oficialidade é bastante simpática às ideias de Bolsonaro”, afirma.
“Isso é um teste para o Brasil”, concorda João Feres. “Acho que as forças políticas brasileiras tinham que se conscientizar bastante disso. E não digo só a esquerda: o centro, a centro-direita e a própria direita brasileira – aqueles que não são antidemocráticos – deveriam fazer um pacto pela democracia e pelas instituições democráticas, para não permitir que algo assim se crie aqui no Brasil – para além do que já foi criado”, conclui.

Fonte: Extra