A Associação dos Notários e Registradores do Estado do Amazonas (Anoreg-AM), informou que o número de crianças registradas sem o nome do pai na certidão chegou a 5.899 nos últimos dois anos e meio.

De janeiro a junho de 2020, foram registradas 22.178 crianças no Estado, sendo que 2.213 não tiveram indicação do nome do pai na certidão de nascimento, representando 10% de aumento em relação a esse mesmo período de 2018 e 2019.

Em 2018, este número foi de 1.509 recém-nascidos (7,34%) do total de nascimentos no primeiro semestre. Em 2019 o número já havia subido para 9,5% dos registros sem a inclusão do nome do pai, o que representou o total de 2.177 nascimentos no Estado.

Somente em Manaus, o número de ausências do nome paterno no documento é de 1.512, quase metade do total observado em todo o Estado. Os dados consideram o período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2020 e foram computados a partir da base nacional de registros de nascimentos dos Cartórios de Registro Civil (CRC Nacional).

As histórias fazem parte da dura realidade da maioria dessas criança sem pai. Bruna Viana, de 20 anos, sofre na pele o descaso do pai de sua filha.

“Eu peguei o dinheiro do auxílio, mas não vou enviar nada. Vou comprar minha moto.” Essa foi a resposta que Bruna ouviu do ex-companheiro, após ter cobrado o valor da pensão para a filha de 1 ano e 6 meses.

Durante o relacionamento de três anos, Bruna não tinha motivos para reclamar da convivência com o parceiro, até ter a filha. Com a mudança no comportamento e cansada das humilhações, a mãe tomou a decisão de retirar o nome do pai da certidão de nascimento da filha.

“Eu resolvi tirar o nome dele porque não queria ter responsabilidade de pai. Não só financeiramente, mas não queria ser um pai presente, dar amor, educação. Pai deve agir como tal, mesmo com a separação. Ele não queria nem ficar com ela no final de semana e negava a pensão de R$ 50 por semana”, conta Bruna.

 A mãe conta que, certa vez, a filha ficou doente e o pai disse não ter o valor do transporte público para Bruna levar a bebê ao hospital e pediu para ela dar um jeito. “Eu fui andando até o hospital e repensei muito sobre essa situação. Era humilhação demais! Naquele dia cobrei os R$ 300 da pensão. Ele mandou R$ 150, mas disse que não iria ajudar com mais, pois estava juntando dinheiro para comprar uma moto”, desabafa.

Sobre a decisão, Bruna diz que a tomou convicta e sem arrependimentos. “Já que ele não queria ser pai, então, não ia mais ser, nem na vida nem na certidão. Crio, educo, sustento sozinha e não me arrependo de nada”, exprime.

Outra história parecida é a da auxiliar de limpeza Joelma Batista, de 45 anos, tem uma história similar. A amazonense de Nhamundá, mas que reside em Manaus há 30 anos, criou os seus dois filhos sem a presença paterna.

O primeiro filho, de 22 anos, foi criado até os 7 anos pela avó materna. Depois de 8 anos, Joelma teve um relacionamento rápido e acabou engravidando. “Ao saber da gravidez, o pai do meu filho se afastou. Quando voltou em casa, eu estava com 4 meses de gravidez. Perguntou se eu queria assumir o bebê, pois ele iria ajudar, mas depois desse dia foi embora e nunca mais voltou”, conta Joelma.

Criando o filho sozinha e pensando que o pai poderia voltar, Joelma não tinha registrado o filho até os 7 meses de idade. “Quando o meu bebê estava com 7 meses, resolvi registrá-lo. Esperei o pai voltar, mas não veio. Fiquei muito triste, porque eu não esperava engravidar. Ele não quis se prevenir e tudo isso aconteceu, mas amo o meu filho e sou grata pela sua vida”, revela.

Hoje o filho tem 14 anos, não conhece o pai e nem tem nenhuma informação sobre o paradeiro dele.

O projeto Pai Legal criado pela Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), em 2003, com a proposta de reverter essa situação, tem hoje o nome de Pai Presente . A iniciativa visa incentivar o reconhecimento de pessoas sem registro. Segundo a Constituição Federal de 1988, o direito à paternidade é garantido pelo artigo 226, parágrafo 7º.

Para receber o benefício do projeto, o juiz de Direito, Gildo Alves, que também é coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc) – Família, do Tribunal de Justiça do Amazonas, explica como funciona.

“Se o requerente for maior de idade e o pai vivo, basta que os dois compareçam ao cartório em que ele se encontra registrado, e será resolvido facilmente. Caso o filho (a) seja menor de idade, é necessária a intervenção judicial. O atendimento no ambiente da justiça é gratuito, mas a averbação e a nova certidão dependem da condição econômica dos interessados”, explica.

No Brasil, cerca de 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai registrado na certidão de nascimento. Esses dados foram captados por meio do Censo Escolar, realizado em 2013, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).