Argentina – Não fosse a pandemia do coronavírus, a economia argentina já não teria um ano fácil.

Os argentinos já entravam em seu terceiro ano de recessão e encaravam inflação galopante, crise fiscal e falta de acesso ao mercado de crédito internacional quando se depararam com o desafio da covid-19. Agora, o país caminha para o pior momento econômico de seus últimos 20 anos.

A Argentina divulgou ontem que seu Produto Interno Bruto (PIB) caiu 5,4% nos três primeiros meses de 2020, período que já incorpora efeitos da redução da demanda global, mas pouco da quarentena, iniciada em 20 de março.

“Os poucos dias de bloqueio já fizeram um estrago danado, mas antes o país já estava patinando, com queda do PIB de 2% até fevereiro”, diz Arthur Mota, economista da Exame Research.

O governo Fernández teve uma reação rápida e intensa contra a disseminação da covid-19, que foi inicialmente bem-sucedida e turbinou sua taxa de aprovação. O número de casos, porém, vem aumentando significativamente nas últimas semanas e já são 47.216 casos confirmados e mais de 1.000 mortos, o que levou a um endurecimento da quarentena.

O impacto da epidemia no país segue baixo em comparação com países vizinhos como Chile e Peru e é uma fração dos dados do Brasil, o segundo maior epicentro da epidemia no mundo.

“Hoje a expectativa é de uma queda de 9% do PIB em 2020, mas pode ser de até dois dígitos se a quarentena se estender além desse final de junho”, diz.

Em abril, considerado fundo do poço com as rigorosas medidas de isolamento, a piora se acentuou. A queda interanual da exportação da indústria foi superior a 58%, de acordo com União Industrial Argentina.

Principal empecilho

Além de um cenário econômico sombrio pelos próximos meses, a Argentina tem de lidar com o desafio imediato de evitar um calote.

O país já adiou o pagamento de sua principal dívida com credores internacionais, no valor de 65 bilhões de dólares, diversas vezes. Na teoria, por ter deixado de honrar as obrigações em maio, já poderia ser considerado em calote técnico, mas como credores não acionaram a Justiça, nada aconteceu. Ainda. O novo prazo para a negociação vence em 24 de julho.

Em abril, precisando de recursos para atacar a pandemia, o presaidente Alberto Fernández decidiu suspender o pagamento de 10 bilhões de dólares de uma outra dívida até o final do ano. A decisão não envolveu sua maior obrigação com credores internacionais, mas foi suficiente para que sua nota de crédito de longo prazo fosse rebaixada pela agência de classificação de risco Fitch para apenas um degrau acima do “default.”

Com baixíssimo nível de reservas e sem acesso aos mercados internacionais, a Argentina precisa se virar para pagar essa dívida. Os impactos dessa política são vistos no dia a dia, com uma inflação que fechou o ano passado acima dos 50% e que deve terminar este ano próximo de 40%, apesar de a crise ter reduzido o poder de compra e a confiança dos consumidores.

“O fenômeno inflacionário tem esse caráter fiscal também, visto que com menor acesso aos mercados, os empréstimos do Banco Central são uma importante fonte de financiamento para o Tesouro — ainda mais nesse cenário de pandemia”, diz Mota.

O indicador, já há alguns anos em patamares altos, perdeu o controle durante o governo de direita de Mauricio Macri, que acabou instituindo controles de preços, na contramão de sua orientação liberal.

O congelamento foi mantido pelo atual governo de esquerda nos setores de energia, gasolina e dos transportes até outubro. No país, os investidores internacionais também estão sujeitos a rígidos controles de capital implementados em setembro de 2019.

Enquanto isso, o governo tenta evitar a fuga de capitais e as empresas se veem em dificuldades para pagar obrigações no exterior. O banco central do país disse que pretende relaxar as restrições cambiais a partir do próximo dia 30 caso haja acordo com os credores.

Fantasma da estatização

Outro fator desestabilizante foi o decreto do governo argentino, no último dia 9, de intervenção na produtora de grãos Vicentín por 60 dias, com o objetivo declarado de evitar a falência, mas com perspectiva de um projeto de lei de estatização definitiva.

A atitude gerou protestos no último fim de semana, foi considerada inconstitucional pela oposição, assustou líderes agrícolas locais e evocou o governo da ex-presidente e atual vice, Cristina Kirchner, reacendendo o temor de uma política de estado mais intervencionista e hostil ao mercado.

Pressionado, Fernández recuou e disse que vai seguir o plano de resgate, mas sem estatizá-la. Alertou, porém, que, se o modelo de intervenção falhar, volta a considerar a expropriação da companhia.

“O agronegócio é muito importante para o país. Por isso o mercado vê com temor a posibilidade de o governo argentino sucumbir à tentação de controlar uma empresa que controla parte significativa dos negócios do segmento”, diz Alberto Ramos, economista especialista em América Latina do Goldman Sachs. 

Tchau, Argentina

Outro baque foi o encerramento das operações da Latam Airlines Argentina por tempo indeterminado. A permanência foi inviabilizada pelos impactos da pandemia, disse a empresa em comunicado, e pela “dificuldade de construir acordos estruturais com os atores da indústria local.”

A argentina foi a única subsidiária do grupo a encerrar operações. O agravante foi uma negociação trabalhista sem acordo que levou à demissão de 1.700 funcionários. O impacto pode deixar passagens mais caras, já que favorece uma de suas poucas concorrentes, a Aerolíneas Argentinas, que é estatal.

Importante parceiro comercial da Argentina, o Brasil teve participação em praticamente 25% do total das importações do país vizinhos na última década e próximo de 20% no ano passado, destaca Mota. “O setor brasileiro que segue sofrendo com a crise argentina é o automotivo, e que tem um encadeamento super importante tanto para trás, com toda a indústria de insumos, como para a frente, com toda a cadeia de serviços”, diz.