Além do crescimento das taxas de violência doméstica em diversos países durante a quarentena , a agressão contra a mulher na internet aumentou. Dados da ONG SaferNet mostram que as denúncias de violência e discriminação contra mulheres na Central Nacional de Crimes Cibernéticos cresceram 21,27% em abril de 2020, em relação ao mesmo período no ano passado, com 667 registros. Nos casos de exposição de imagens íntimas houve um aumento de 154,90%, com 130 denúncias no último mês, das quais 70% das vítimas são mulheres.

Em relatório recente, a ONU Mulheres, entidade da Organização das Nações Unidas (ONU), apontou um “contexto de emergência” no que diz respeito á vida de mulheres durante pandemia. O órgão indica que o período de isolamento social aumenta os riscos de agressão contra mulheres e meninas, especialmente a violência doméstica. “Aumentam devido ao aumento das tensões em casa. As sobreviventes da violência podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena”, relata boletim. De acordo com a ONU, o impacto econômico da pandemia pode criar barreiras adicionais para deixar um parceiro violento, além de mais risco à exploração sexual com fins comerciais.

A entidade também destacou o ambiente virtual. “De acordo com diversos meios de comunicação, publicações em mídias sociais e especialistas em direitos das mulheres, diferentes formas de violência online estão em ascensão, incluindo perseguição, bullying, assédio sexual e trollagem sexual”, afirmou. É o que acredita a jornalista Cristiane Bonfim, que desde 2016 estuda ativismo digital feminista. Para ela, os ataques crescentes estão totalmente atrelados ao mundo fora da internet – ambos os espaços se retroalimentam. “Essas mulheres são atacadas do ponto de vista moral, individual. Tem uma questão de desestabilizar emocionalmente. É um modus operandi”, analisa Cristiane.

As violências sofridas por essas mulheres são diversas, desde publicação criminosa de fotos íntimas até ataques de ódio à carreira. Mulheres jornalistas têm estado vulneráveis nesse contexto.

Em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro fez insinuação sexual contra a jornalista Patrícia Campos Melo, repórter da Folha de S.Paulo, ao falar sobre a CPMI das Fake News no Congresso. O insulto teve cunho sexual e arrancou risadas de pessoas próximas ao presidente no momento da entrevista, realizada em frente ao Palácio da Alvorada.

“Ela queria um furo”, citando a jornalista. “Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, continuou o presidente, que riu ao enfatizar “dar o furo”.

Segundo Cristiane, a internet é um território de disputa constante, que reverbera o que está acontecendo no âmbito político nacional. A jornalista ainda cita outras vítimas de violência, como as repórteres do site AzMina, atacadas após matéria sobre aborto seguro, e a ex-presidente Dilma – à época atacada constantemente nas redes sociais com discursos sexistas. “É um nível de ataque muito baixo”, considera Bonfim. “Acho que essas respostas são necessárias nesse combate. Mas, apesar das pessoas serem punidas, a rede de ódio continua sendo estimulada”, aponta.

Cristiane reforça a importância de não “desconectar o que está fora e dentro da internet”. O espaço virtual, conforme Cristiane, tem se tornado um local importante para expressão política das mulheres, que podem formar uma rede de conhecimento e apoio. Para a jornalista, discutir o tema, denunciar e levar à público esse problema é fundamental.

Jeritza Braga, defensora e supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará, informa que o órgão não tem recebido uma alta demanda de denúncias de agressões contra mulher no âmbito virtual. No entanto, ela afirma que a baixa procura não significa que a violência virtual não esteja acontecendo. “Muitas mulheres não sabem como agir e desconhecem as formas jurídicas de punir o agressor”, considera.

A defensora pontua que a Lei Maria da Penha sofreu uma mudança no ano de 2018, em que crimes virtuais foram incluídos e se tornaram cabíveis a punição. Entre as violências no âmbito digital está a “pornografia de vingança”, onde o parceiro tenta prejudicar a vítima espalhando fotografias de momentos sexuais de ambos ou expondo a intimidade dela, e o cyberbullying, em que a mulher recebe comentários depreciativos nas redes sociais ou tem a imagem difamada.

Para identificar quando essas violências estão acontecendo, segundo Jeritza, é necessário observar sinais. “Quando você acha que aquilo atingiu sua honra, quando se sente agredida, exposta, difamada, ofendida ou hostilizada, já caracteriza agressão”, afirma a defensora. 

As informações são do O GLOBO.